COMPETENCIA

A competência é o poder da jurisdição para uma determinada parte do setor jurídico: aquele especificamente destinado ao conhecimento de determinado órgão jurisdicional. Em tudo aquilo que não lhe foi atribuído, um juiz, ainda que continuando a ter jurisdição, é Incompetente. "As causas cíveis serão processadas e decididas, ou simplesmente decididas, pelos órgãos jurisdicionais, nos limites de sua competência", dispõe o art. 86.

A competência é o poder que tem um órgão Jurisdicional de fazer atuar a jurisdição diante de um caso concreto. Decorre esse poder de uma delimitação prévia, constitucional e legal, estabelecida segundo critérios de especialização da justiça, distribuição territorial e divisão de serviço.

O legislador utiliza um conjunto de critérios, dentre os indicados em seguida, para ir separando as lides ou grupos de lides, em etapas de competência legislativa de cada um, apontando os juízos ou Tribunais competentes em determinadas situações, de modo que o que sobra é do juízo ou Tribunal de competência mais geral ou comum.

As diversas etapas são as seguintes:

1) definição da competência internacional, segundo as normas dos arts. 88 a 90 do Código de Processo Civil, isso porque se uma lide não tem nenhum elemento de conexão com o Brasil nenhum órgão jurisdicional brasileiro é competente para ela;

2) definição da competência originária dos Tribunais. Essa atribuição é direta e exclui qualquer outra, mesmo porque, se a Constituição quer ressalvar a competência de alguma justiça especial, o faz expressamente. Essa definição está na Constituição da República e nas Constituições estaduais, por delegação da primeira;

3) definição da competência das justiças especiais, constantes da Constituição e leis por ela indicadas;

4) não sendo nenhuma delas, nessa ordem, a competência é da justiça comum. Mas tem precedência a da Justiça Federal, que, apesar de ser comum, guarda um grau de especialidade em face da Justiça Estadual. que é a mais comum de todas. A competência da justiça Federal encontra-se no art. 109 da Constituição;

5) não sendo da competência da justiça Federal, a lide é de competência da Justiça Estadual, devendo definir-se, então, a competência de foro. ou territorial, cujos critérios de determinação estão no código de Processo Civil;

6) determinado o foro ou comarca, se nesse foro houver mais de um juízo, a competência se determina pela distribuição, se no foro todos os juízos tiverem a mesma competência, ou pelos critérios estabelecidos na Lei de Organização Judiciária de cada Estado.

Para a determinação da competência, em cada uma das etapas as normas legais utilizam-se de critérios ora extraídos da lide, ora extraídos das funções que o juiz exerce no processo. No primeiro caso, diz-se que a competência é objetiva, porque se determina por algum aspecto da lide que, segundo Carnelutti, é o objeto do processo. No segundo caso, diz-se que a competência é funcional. Na verdade não é, a competência que é objetiva ou funcional. Os critérios é que o são. Os critérios objetivos comumente usados pelas normas legais são:

1) a natureza da lide em face do Direito Material: de direito de família, de acidente do trabalho, de registros públicos etc.;

2) o domicílio do autor;

3) a qualidade da parte, a Fazenda Pública;

4) o local em que está situado o imóvel, nas ações a ele relativas;

5) o local em que ocorreu o fato ou foi praticado o ato;

6) o valor da causa; e diversos outros.

Determina-se a competência funcional por graus de jurisdição quando a lei, em razão da natureza do processo ou do procedimento, distribui as causas entre órgãos judiciários que são escalonados em graus.

OBSERVAÇÃO: De regra, as ações devem ser propostas no primeiro grau de Jurisdição (juízos de direito ou varas), cabendo, de suas decisões, recurso para um segundo grau, considerado hierarquicamente mais elevado porque colocado em posição de reexame dos atos do primeiro.

Às vezes, as normas legais atribuem competência diretamente a órgãos de segundo grau de jurisdição, como, por exemplo, os mandados de segurança contra atos de determinadas autoridades. Nesses casos, há supressão do primeiro grau, sendo o tribunal competente em caráter originário. Assim, a competência dos Tribunais se diz funcional, recursal ou originária, porque é determinada segundo o modo de ser do processo e não de circunstâncias da lide.

Finalmente, a competência funcional pode determinar-se pelo objeto do juízo, isto é, pelo tipo de julgamento que deveria ser proferido. O fenômeno ocorre quando numa única decisão atuam dois órgãos jurisdicionais, cada um competente para certa parte do julgamento. No processo civil, há casos de competência funcional por objeto do juízo no procedimento de uniformização da jurisprudência (arts. 476 e s.) e no de declaração incidental de inconstitucionalidade (arts. 480 e s.), nos quais a Câmara ou Turma do Tribunal em que são suscitados qualquer desses incidentes é competente para a aplicação da lei ao caso concreto, mas a fixação da interpretação da lei ou sua declaração de inconstitucionalidade é de competência do Tribunal Pleno. O julgamento se desmembra, cada órgão decide uma parte do objeto da decisão que, no final, é única.

COMPETENCIA INTERNACIONAL

Dispõem os arts. 88 e 89 do Código de Processo Civil, os quais revogaram o art. 12 e seu § 1º da Lei de Introdução ao Código Civil, já que regularam toda a matéria (restou em vigor o § 2º, porque não houve revogação expressa, nem tratamento novo que determinasse a revogação tácita quanto ao conteúdo de Direito Internacional Privado):

"Art. 88. É competente a autoridade judiciária brasileira quando:

I - o réu, qualquer que seja sua nacionalidade, estiver domiciliado no Brasil;

II - no Brasil tiver de ser cumprida a obrigação;

III - a ação se originar de fato ocorrido ou de ato praticado no Brasil.

Parágrafo único. Para o fim do disposto no n. I, reputa-se domiciliada no Brasil a pessoa jurídica estrangeira que aqui tiver agência, filial ou sucursal.

Art. 89. Compete à autoridade judiciária brasileira, com exclusão de qualquer outra:

I - conhecer de ações relativas a imóveis situados no Brasil;

II - proceder a inventário e partilha de bens, situados no Brasil, ainda que o autor da herança seja estrangeiro e tenha residido fora do território nacional".

COMPETENCIA DA JUSTIÇA ESPECIAL

Ainda é necessário saber se o processo pertence à jurisdição das chamadas justiças especiais, ou jurisdição da chamada justiça comum ou ordinária. A solução dessa pergunta está na Constituição Federal e tem-se chamado a essa competência, apesar de tal denominação não ser totalmente perfeita, de competência de jurisdição ou competência por Jurisdição. O sistema estabelecido é o de que a competência das justiças especiais prevalece sobre a competência geral da justiça comum, de modo que, se a hipótese está incluída num dispositivo constitucional de justiça especial, tal dispositivo se aplica, excluindo-se a justiça comum. As justiças especiais são: a Justiça Militar, a Justiça Eleitoral e a Justiça do Trabalho.

A justiça Militar só tem competência penal, cabendo-lhe o julgamento dos crimes militares definidos em lei (Dec.-lei n. 1.001/69).

À Justiça Eleitoral cabe o julgamento de questões relativas ao processo eleitoral, do alistamento de eleitores até à diplomação, que é o último ato eleitoral. As questões posteriores, como, por exemplo, relativas a posse ou mandato, são da competência da justiça comum.

A competência da Justiça do Trabalho está assim definida na Constituição Federal:

"Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta dos Municípios, do Distrito Federal, dos Estados e da União, e, na forma da lei, outras controvérsias decorrentes da relação de Trabalho, bem como os litígios que tenham origem no cumprimento de seus próprias sentenças, inclusive coletivas.

Se a lide que se examina não se inclui nas situações acima previstas, será, então, de competência da justiça comum. Todavia, a justiça comum ainda está dividida em justiça comum federal e justiça comum estadual, sendo que a primeira precede a segunda para a fixação da competência.

JUSTIÇA COMUM - FEDERAL

Cabe à Justiça Federal, nos termos do art. 109 da Constituição:

"Art. 109. Aos juizes federais compete processar e julgar:

I - as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho;

OBSERVAÇÃO: § 3º - Serão processadas e julgadas na justiça estadual, no foro do domicílio dos segurados ou beneficiários, as causas em que forem parte instituição de previdência social e segurado, sempre que a comarca não seja sede de vara do juízo federal, e, se verificada essa condição, a lei poderá permitir que outras causas sejam também processadas e julgadas pela justiça estadual.

§ 4º - Na hipótese do parágrafo anterior. o recurso cabível será sempre para o Tribunal Regional Federal, na área de jurisdição do juiz de primeiro grau"

Em se tratando de ação relativa a benefício previdenciário, contra a instituição de previdência social, será processada e julgada perante a Justiça Estadual da comarca do domicílio do segurado se esta não for sede de vara federal. O recurso, porém, será para o Tribunal Regional Federal da área.

JUSTIÇA COMUM - ESTADUAL

Se a lide que nos interessa e que estivermos examinando não se incluir em nenhuma das hipóteses excepcionais referidas nas letras anteriores, isto quer dizer que se trata de lide a ser decidida pela Justiça comum, e, primeiramente, pelos juízes de direito que formam o chamado primeiro grau de jurisdição. Todavia, os juízes de direito estão territorialmente distribuídos pelo Brasil inteiro em circusncrições territoriais chamadas comarcas.

As regras sobre competência territorial ou de foro têm por fim determinar qual a comarca em que deve ser proposta a demanda, ou seja, qual o seu foro.

OBSERVAÇÃO: REGRA GERAL. O foro comum, conforme disciplina o art. 94 do Código de Processo Civil, é o do domicílio do réu. Este é o primeiro critério para determinação da competência, o qual atua, porém, em caráter geral ou comum porque há foros especiais, como, por exemplo, o da situação da coisa (art. 95), o foro da residência da mulher, nas ações de separação judicial (art. 100), e outros, que prevalecem sobre aquele. Aqui também a regra é a mesma, a de aplicar-se o foro comum do domicílio do réu se a causa não tiver algum outro elemento indicativo de foro especial.

Dispõe o art. 94 do Código de Processo Civil:

"Art. 94. A ação fundada em direito pessoal e a ação fundada em direito real sobre bens móveis serão propostas, em regra, no foro do domicílio do réu.

O domicílio civil está regulado nos arts. 31 a 42 do Código Civil. Neste diploma, no mesmo local, figurando como hipóteses de domicílio legal, temos: o dos funcionários públicos, os quais são domiciliados, por força do texto do Código, onde exercem as suas funções, desde que não temporárias; o dos incapazes, que têm por domicílio o dos seus representantes; o do militar em serviço ativo, que está domiciliado no lugar onde servir; o preso, no lugar onde cumpre a sentença; os tripulantes da marinha mercante, no lugar onde estiver matriculado o navio.

O domicílio voluntário é composto de dois elementos: um objetivo, que é a residência; e um subjetivo, que é o ânimo definitivo.

Para fins processuais, no caso de ter o réu mais de um domicílio, será ele demandado no foro de qualquer deles, e sendo incerto ou desconhecido, a ação será proposta no foro do domicílio do autor. A este foro, domicílio do autor, costuma-se chamar de foro subsidiário ao foro comum, porque se aplica na falta ou incerteza, ou mesmo desconhecimento do domicílio do réu, e também se este não tiver domicílio nem residência no Brasil.

REGRAS ESPECIAIS DA COMPETENCIA TERRITORIAL

Os arts. 96 a 98 especificam o foro para determinados tipos de ações que apresentam algumas peculiaridades. Assim, estabelece o art. 96 que o foro do domicílio do autor da herança no Brasil é o competente para o inventário, a partilha, a arrecadação, o cumprimento de disposições de última vontade e todas as ações em que o espólio for réu, ainda que o óbito tenha ocorrido no estrangeiro.

O autor da herança, na terminologia técnica do Código, é o falecido, e, como se vê, o dispositivo não é mais que um desdobramento do foro comum ou domicílio do réu. O artigo dispõe, em última análise, que o inventário, a partilha e as ações em que o espólio for réu terão como foro competente o do último domicílio do de cujus.

Se, todavia, o autor da herança não possuir domicílio certo, as ações acima aludidas deverão ser propostas no local da situação dos bens, e ainda, se o autor da herança não tinha domicílio certo e possuía bens em lugares diferentes, no lugar em que ocorreu o óbito.

Paralelamente, o art. 97 preceitua que as ações em que o ausente for réu correm no foro de seu último domicílio, que é também o competente para a arrecadação o inventário, a partilha e o cumprimento de disposições testamentárias. A ausência, nesse passo, é equiparada, para fins processuais, à morte.

Nas ações em que o réu for incapaz o foro competente é o do domicílio de seu representante legal.

Os casos de insolvência devem ser processados e julgados no domicílio do réu insolvente em juízo universal, que tem força atrativa das demais ações contra ele.

Entre os casos em que a União se desloca para o domicílio do réu, encontra-se o das ações de execução fiscal, isto é, nas ações em que a União promove a execução de sua dívida ativa (CPC, art. 578).

O art. 100 apresenta uma série de disposições especiais que excepcionam o foro comum, tendo em vista a necessidade de proteção de determinados interesses.

Assim, é competente o foro da residência da mulher para a ação de separação dos cônjuges e a conversão desta em divórcio e para a anulação de casamento.

A mesma razão informa o inc. II, que estabelece como competente o foro do domicílio ou da residência do alimentando para a ação em que se pedem alimentos.

O Código prevê a alternativa domicílio/residência porque pode ocorrer que o alimentando tenha por domicílio legal o domicílio do alimentante. Daí, então, a necessidade de se possibilitar que o autor, alimentando, se libere do domicílio legal e proponha a ação no local onde resida, que pode não coincidir com o domicílio em seu sentido Jurídico.

O art. 100, III, esclarece que a ação de anulação de títulos extraviados ou destruídos deve ser proposta no domicílio do devedor dos referidos títulos, a fim de que possa ele acompanhar melhor a eventual ação de anulação.

O inc. IV do mesmo artigo estabelece regras gerais para os casos em que for ré a pessoa jurídica. Em primeiro lugar, em princípio a ação deverá ser proposta em sua sede. Todavia, se as obrigações forem contraídas por agência ou sucursal, nesse local onde se encontra a agência ou sucursal é que deverão ser propostas as ações relacionadas àquelas obrigações. A regra, como antes se disse, não prevalece se houver mais de um réu, com domicílios diferentes, aplicando-se, então, o § 4º do art. 94.

Finalmente, o inc. V, do mesmo art. 100, estabelece como competente o foro do lugar do ato ou fato para a ação de reparação do dano do ato ou fato e para a ação em que for réu o administrador ou gestor de negócios alheios.

OBSERVAÇÃO: Significativa inovação do Código encontra-se no parágrafo único do art. 100: nas ações de reparação de dano sofrido em razão de delito ou acidente de veículos será competente o foro do autor ou do local do fato. A lei desejou facilitar a posição da vítima, possibilitando-lhe a propositura da ação em seu próprio domicílio, ou, por escolha, o do local do fato.

IMPORTANTE: Essa competência, bem como aquelas instituídas em favor da mulher ou do alimentando, constituem casos de competência relativa, ou seja, as ações previstas nos dispositivos legais poderão também ser propostas, a critério do autor, no domicílio do réu, o qual não poderá alegar prejuízo porque ficou beneficiado pela escolha do autor.

COMPETENCIA ABSOLUTA E RELATIVA

A competência de juízo que tenha por fundamento a matéria é absoluta, em virtude da especialização de cada vara ou juízo. Assim, por exemplo, dentro da justiça civil é possível que a lei local estabeleça varas especializadas de família, de sucessões, de registros públicos, de acidentes do trabalho, da Fazenda Estadual ou Municipal etc.

Além da distribuição das causas, pela matéria ou pelo valor, entre juizes diferentes de primeiro grau, também as leis estaduais de organização judiciária fazem a distribuição das causas por diferentes tribunais.

Diz-se que a competência é absoluta quando não pode ser modificada pelas partes ou por fatos processuais como a conexão ou a continência. A competência absoluta pode ser reconhecida pelo juízo, de ofício, independentemente da argüição da parte, gerando, em sentido contrário, se violada, a nulidade do processo.

A competência relativa refere-se aos casos em que é possível a sua prorrogação ou derrogação por meio de cláusula contratual firmada pelas partes, de inércia da parte, no caso do réu que deixa de opor a exceção, chamada declinatória de foro, ou por fatos processuais como a conexão ou a continência.

É de se observar que a competência em razão do valor pode prorrogar-se para um juízo que seja competente para causas de maior valor que outro juízo, não se admitindo o inverso, isto é, um juízo competente para causas de menor valor pode ser derrogado em favor de um juízo competente para as causas de maior valor, não podendo ocorrer o inverso.

MODIFICAÇÕES LEGAIS DA COMPETENCIA RELATIVA. CONEXÃO E CONTINENCIA

Os arts. 103 e 104 do Código definem os institutos da conexão e da continência. O tema é por demais difícil no direito processual, não encontrando solução pacífica na doutrina, de modo que preferiu o Código definir os dois institutos a fim de que tais definições servissem de base à sistemática legal do uso das duas figuras.

Todavia, apesar das duas definições legais, nem sempre o termo conexão aparece no Código no sentido do art. 103. Assim, por exemplo, no capítulo referente ao litisconsórcio o Código admite o litisconsórcio facultativo quando entre as causas haja conexão pelo objeto ou pela causa de pedir. Tem-se entendido que essa conexão do art. 46, III, é mais ampla que a conexão prevista no art. 103, pois exige, para que duas causas sejam consideradas conexas, que lhes sejam comuns o objeto ou a causa de pedir. Assim também no artigo referente à reconversão (art. 315), aparece o termo "conexo" sem o rigor da definição do art. 103.

IMPORTANTE: Havendo conexão ou continência, o juiz pode, de ofício ou a requerimento das partes, ordenar a reunião de ações propostas em separado, a fim de que sejam decididas simultaneamente. Verifica-se pela própria redação do dispositivo, que a conexão ou a continência não determinam obrigatoriamente a reunião dos processos, deixando o Código a faculdade para o juiz. A situação, porém, é diferente se correm em separado ações conexas, perante juizes que tem a mesma competência territorial, considerando-se prevento aquele que despachou em primeiro lugar.

OBSERVAÇÃO: O art. 106, neste último aspecto, parece contraditório com o disposto no art. 219, caput, no qual consta que a citação válida torna prevento o juízo. O art. 106 considera prevento aquele que despacha em primeiro lugar, em momento, portanto, anterior à citação. Os dois dispositivos podem ser conciliados se for entendido que o art. 106 dispõe sobre competência do juízo numa mesma comarca, e o art. 219 sobre competência de foro quando for o caso. É o que ocorre na hipótese do art. 107, isto é, se o imóvel se achar situado em mais de um Estado ou comarca, determinar-se-á o foro pela prevenção, estendendo-se a competência de um foro sobre a totalidade do imóvel. Aqui, a prevenção é determinada nos termos do art. 219, isto é, pela citação válida.

No caso referido é competente o foro onde ocorreu a primeira citação. Ressalte-se, ainda, que, mesmo nas hipóteses em que a conexão ou continência determinem a reunião de processos não é obrigatória a decisão única, porque a lei não prevê tal conseqüência; quando a lei deseja a decisão única o diz expressamente, como, por exemplo, no art. 61, em relação à oposição; no art. 318, em relação à reconversão; e no art. 76, no que concerne à denunciação da lide.

Os arts. 108 e 109 tratam de competência funcional, prevendo a competência para a ação acessória, que é atribuição do juiz da ação principal.

Mesmo quando o processo cautelar seja proposto antes da ação principal, deve-se fazer um prognóstico da competência da ação principal para, indiretamente, definir-se a competência da ação acessória. Faz-se como que uma prefixação da competência da ação principal para, no juízo previsto como competente, ser proposta a ação cautelar preventiva anterior à ação principal. Se esta ação já se encontra em andamento, as funções do juiz nessa causa estendem-se ao processo acessório.

Também é funcionalmente competente o juiz da causa principal para julgar a reconversão, que é a ação do réu contra o autor no mesmo processo; a ação declaratória incidental, prevista nos arts. 5º, 325 e 470; as ações de garantia que estão inseridas na denunciação da lide; e outras que dizem respeito ao terceiro interveniente, como, por exemplo, a oposição. Neste caso também a competência se diz funcional, porque as funções do juiz da causa principal estendem-se às funções para os processos relacionados no artigo.

O art. 110 inserido na mesma seção não trata nem de competência nem de modificação da competência; seu tema refere-se à chamada prejudicialidade penal, nos seguintes termos:

"Art. 110. Se o conhecimento da lide depender necessariamente da verificação da existência de fato delituoso, pode o juiz mandar sobrestar no andamento do processo até que se pronuncie a justiça criminal.

Parágrafo único. Se a ação penal não for exercida dentro de trinta (30) dias, contados da intimação do despacho de sobrestamento, cessará o efeito deste, decidindo o juiz cível a questão prejudicial".

MODIFICAÇÃO VOLUNTÁRIA DA COMPETENCIA RELATIVA.

O art. 111 trata da derrogação da competência por convenção das partes. A competência absoluta em razão da matéria e a competência funcional não podem ser derrogadas ou prorrogadas por vontade das partes.

As partes podem modificar a competência relativa em razão do valor para eleger um juízo competente para as causas de maior valor ou em razão do território, escolhendo o foro, por meio de cláusula contratual, onde serão propostas as ações oriundas de direitos e obrigações. O acordo só produzirá efeitos quando constar de contrato escrito e aludir expressamente a determinado negócio jurídico. O foro contratual obriga os herdeiros e sucessores das partes.

OBSERVAÇÃO: Uma outra maneira de modificar a competência relativa por vontade das partes é deixar o réu de, no prazo legal da resposta, opor a chamada exceção declinatória de foro (art. 307), porquanto, dispõe o art. 114 que a competência se prorroga se o réu não opuser exceção declinatória de foro e de juízo no caso e prazos legais. Este artigo deve ser entendido em consonância com o art. 111, que admite a prorrogação ou derrogação apenas no caso de competência em razão do valor e do território, que são formas de competência relativa.

A competência absoluta material ou funcional não se prorroga, não dependendo de exceção para ser reconhecida.

A incompetência absoluta deve ser declarada de ofício pelo juiz, em qualquer tempo e grau de jurisdição, independentemente de exceção. Mesmo após o trânsito em julgado da decisão, o vício de incompetência absoluta possibilita a ação rescisória nos termos do art. 485, II.

A argüição de incompetência absoluta, tecnicamente, é verdadeira objeção.

A regra básica do sistema de declaração de incompetência é a de que, em primeiro lugar, o juiz é responsável pelo exame da própria competência, o que os alemães chamam de "competência da própria competência". Esta regra vale para o exame da competência absoluta porque a competência relativa deve ser argüida pela parte, por meio de exceção, sob pena de considerar-se prorrogada (CPC, arts. 112, 114, 304 e 307), ou, em outras palavras, o juiz que originariamente não era competente, por falta de argüição por meio de exceção, passa a sê-lo. Isto significa que o juiz não pode conhecer de ofício a incompetência relativa que fica sujeita à exceção ritual a ser oposta pelo réu. Apesar de que a competência absoluta pode ser declarada de ofício, o réu tem o ônus de fazê-lo na contestação ou na primeira oportunidade em que lhe couber falar nos autos, sob pena de responder integralmente pelas custas resultantes do retardamento.

No caso de incompetência relativa, sendo ela declarada na exceção, o juiz remeterá o processo ao juiz competente que prosseguirá na demanda.

Se for declarada a incompetência absoluta, de ofício ou por provocação das partes, somente os atos decisórios, de qualquer natureza, serão nulos, remetendo-se também os autos ao juiz competente.

CONFLITO DE COMPÊTENCIA

Além desses dois meios de declaração de incompetência, ou seja, a exceção para a incompetência relativa e o exame de ofício pelo juiz para a incompetência absoluta, ou a objeção do réu em preliminar de contestação, o Código prevê o chamado conflito de competência, que é uma verdadeira ação declaratória sobre a competência quando dois ou mais juizes se declaram competentes ou quando dois ou mais juizes se consideram incompetentes, ou ainda, quando entre dois ou mais juizes surge controvérsia acerca da reunião ou separação de processos.

O conflito de competência chama-se positivo quando dois ou mais juizes se declaram competentes para determinado processo, e se chama negativo quando dois ou mais juizes se declaram incompetentes. O conflito pode ser suscitado por qualquer das partes, pelo Ministério Público ou pelo juiz, e, como se trata de uma verdadeira ação declaratória sobre a competência, o juiz, no caso, torna-se autor da referida ação em situação bastante peculiar.

O Ministério Público, além da possibilidade de suscitar o conflito nos processos em que intervém, considerando-se parte naqueles que suscitar, deverá ser ouvido em todos os conflitos de competência, ainda que até esse momento não esteja intervindo por nenhuma das razões nos arts. 81 e 82 do Código de Processo Civil. O fundamento da participação do Ministério Público no conflito de competências é o de que nessa ação existe o interesse público, que transcende o interesse das partes, de fixação correta do juiz competente, quando dois ou mais juizes se declaram competentes ou dois ou mais juizes se declaram incompetentes para a decisão de determinada causa. Se o Ministério Público não tiver razão outra de intervir nos termos dos arts. 81 e 82 do Código, após o conflito, cessa a sua intervenção.

Após a distribuição, o relator mandará ouvir os juizes em conflito ou apenas o suscitado, se um juiz foi suscitante já tendo o outro apresentado suas razões. Dentro do prazo marcado pelo relator, caberá ao juiz, ou juizes, prestar as informações consistentes nas razões pelas quais entendem os juizes que são competentes ou que são incompetentes. É possível ao relator determinar, quando o conflito for positivo, seja o processo sobrestado, designando um dos juizes para resolver, em caráter provisório, as medidas urgentes. No caso de o conflito ser negativo o processo já se encontra sobrestado, porque nenhum juiz quer assumir a competência para despachá-lo. Nesta hipótese, o relator também poder designar um dos dois para resolver, em caráter provisório, as medidas que demandam urgência.

Após o prazo das informações será ouvido, em cinco dias, o Ministério Público, seguindo o conflito para a sessão de julgamento. Ao decidir o conflito, o Tribunal, além de declarar qual o juiz competente, deverá pronunciar-se também sobre a validade dos atos do juiz incompetente, conforme preceitua o § 2º do art. 113, que define como nulos, no caso de incompetência absoluta, os atos decisórios.

No caso de conflitos de competência entre turmas, seções, câmaras, Conselho Superior de Magistratura, juizes de segundo grau e Desembargadores, o Código atribui a competência para a sua disciplina ao regimento interno de cada tribunal.

PERPETUACIO JURISDICTIONIS

Definida a competência de um juiz, a qual se determina no momento em que a ação é proposta, permanece ela até o julgamento definitivo da causa. Este princípio é chamado "da perpetuação da jurisdição" - perpetuatio jurisdictionis, e tem por finalidade impedir que modificações, que é sempre possível que ocorram, depois de proposta a demanda, interfiram no juízo competente para sua decisão.

O processo desloca-se do juízo onde foi proposta a ação apenas se a modificação de direito, isto é, das normas legais, suprimirem o órgão judiciário ou alterarem a competência em razão da matéria ou da hierarquia, competências essas de natureza absoluta. Justifica-se a exceção porque em relação à competência absoluta prevalece o interesse público consistente na obrigatoriedade do julgamento por determinado juízo.

O princípio da perpetuação da jurisdição não é mais do que um desdobramento do princípio do juiz natural e é salutar porque vincula a causa ao juízo em que foi legitimamente proposta; nem a alteração do domicílio do réu, nem a alteração da circunscrição territorial da comarca, nem a criação de novos juízos, salvo de competência material especializada, modificarão o poder de decidir a causa que tem o juiz originário.